lundi 27 août 2012

ALTERNÂNCIA E DESENVOLVIMENTO PESSOAL: A ESCOLA DA EXPERIÊNCIA








IV










ALTERNÂNCIA
PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA
Alternância e Desenvolvimento








União Nacional dos Escolas
Família Agrícola do Brasil








Primeiro Seminário Internacionãl
Salvador, 03 a 05 de novembro de 1999



SUMÁRIO

Prefácio ................................................................................... 11
Aimé Caeckelbergh, Presidente da Solidariedade Interna-
cional dos Movimentos Familiares de Formação Rural-
SIMFR

Palavras de abertura .................................................................... 13
Carlos Cristóvão Sossai, Presidente da União Nacional das
Escolas Família Agrícola do Brasil- UNEFAB

Introdução ................................................................................ 15
Pedro Puig Calvó, Diretor Técnico da Solidariedade Interna-
cional dos Movimentos Familiares de Formação Rural- SIMFR

Seminário Internacional da Pedagogia da Alternância:
Depoimento dos Participantes ...................................................... 27

Nascimento e desenvolvimento de um movimento educativo:
as Casas Familiares Rurais de Educação e Orientação
Jean-Claude Gimonet .................................................................. 39

Conscientização e Pedagogia da Alternância
Antônio João Mánfio ................................................................. 49

Alternãncia e desenvolvimento pessoal: a escola da
experiência
Gaston Pineau ....................................................................... 56

Alternância e desenvolvimento do meio
Gilbert Forgeard ..................................................................... 64

Pedagogia da alternância e transdisciplinaridade
Américo Sommerman ................................................................. 73

Relações intemacionais entre universidades: a politica de
abertura internacional da França
Isabelle Hannequart .................................................................... 85



ALTERNÂNCIA E DESENVOLVIMENTO PESSOAL:
                      A ESCOLA DA EXPERIÊNCIA

GASTON PINEAU
Professor da Universidade
François Rabelais de Tours – França





Não é fácil falar com precisão e concisão do desenvolvimento
pessoal que a Alternância pode favorecer como escola da experiência.
Pois esta é, em si mesma, mais uma escola da ação que uma escola do discurso. Carlos Sossaï nos lembrava isto ontem à noite, na sua
palestra de abertura marcada por sua forte personalidade. E hoje
pela manhã, as comunicações de Jean Claude Gimonet e Antônio Mânfio sublinharam a primazia da ação sobre a palavra.
Além de tudo, quando o desenvolvimento pessoal vai bem, mais envelhecemos e mais sentimos o peso das ações sobre as palavras, o
que nos torna menos tagarelas. Na exposição preparatória e
produtora que acaba de ser apresentada, os mais jovens falaram mais alto, os mais idosos um pouco menos, e eu o mais velho, e ainda com
as dificuldades da lingua ajudando, nada. Mas hoje devo falar. E falar após e com as testemunhas de experiências formadoras já ouvidas,
para tentar explicitar o seu significado.
Vou apresentar primeiro como a escola da experiência sem Alternância é uma escola perigosa, dura, ambivalente. Será que
neste sentido podemos falar de escola? E porque não de uma contra-escola? Em todo caso, ela nos questiona. Destacarei em seguida três condições que me parecem necessárias para que a experiência desenvolva uma personalidade : que primeiro tenha a experiência,
ou seja, o contato, a interação entre o organismo e o ambiente. Em seguida, que haja a possibilidade de uma reflexão ativa. O objetivo
da Alternância é de construir esta possibilidade. Ela pode ser vista
como uma "trans-escola" da experiência visando, através e além
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desta, o desenvolvimento de si mesma por si mesma (auto-escola),
da relação com outros em co-operação ou companheirismo (co-
escola), e mesmo da relação com o ambiente físico (eco-escola).
Tantas aquisições a fazer reconhecer e validar institucionalmente,
entre outras pela universidade, para que ela não seja como uma
máquina de moer cana.

A escola da experiência sem Alternância: uma escola " do sem"
É bastante difícil falar da escola da experiência, isolada sem alternância com uma escola instituída, porque:

1-     é uma escola sem palavra ou quase, com interjeições, com blasfêmias, com constatações fatalistas : " é a vida". Na
maioria das vezes é a escola do silêncio no enfrentamento
direto com as coisas, com o corpo, com os outros;
2-     é uma escola sem livros, sem textos para 1er, sem papel
para escrever, mas com muitas coisas a fazer, a suportar; é
a escola da ação direta, da interação espontânea, das
obrigações pesadas;
3-     é uma escola sem diploma para garantir para sempre a
validade da experiência, para si mesmo e para os outros;
4-   é uma escola sem programa. Ela é imprevisível e pode surgir à qualquer momento sob formas diferenciadas;
5-   é uma escola sem rnestre. Cada um é seu próprio mestre.
      Vocês são todos meus mestres e estão em posição e com
      direito de me julgar. Falando isto para vocês, eu passo
      diante de nós meu exame. Aquilo que vou dizer corresponde
      ao que a experiência vos ensinou?

Será ainda uma escola?

Sem muitas palavras, sem papel, sem diploma, sem programa,
sem mestre, a experiência ainda é uma escola?
1-     os super-escolarizados, estes que foram bastante à escola e
da escola até à universidade, pensam que não: a experiência
é por demais concreta, limitada, e por demais confinada
nos limites daquele que a vivência.

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2-     ao contrario, para os outros, estes que como se diz, viveram
muitas experiencias e ás vezes somente isto, é a escola por excelência pois é a escola da vida, da luta pela vida. E sobrevivendo, eles têm a impressão de ter aprendido muito,
ainda que sintam dificuldade em encontrar as palavras
âra dizer o que e o como.

Neste caso, é uma escola para uns, mas não para outros. Pelo
menos é uma escola que nos questiona. Diferente da escola instituída
em um lugar bem preciso, com mestres para ensinar, com livros, com programas, com diplomas, com palavras e muitas vezes nada
mais que com palavras. Uma escola diferente. Será que a diferença
não vai até à oposição, à contradição? Será que a escola da
experiência não é uma contra-escola?

Uma contra-escola?

1 - Uma escola que se coloca em oposição? Em todo caso, ela é   identificada assim na linguagem usual:
- é a escola da ação contra a dos estudos;
- é a escola da prática contra a da teoria;
- é a escola das realidades contra a dos livros.

2  - Para seus defensores ela é a única e a verdadeira. A grande
escola da vida, validando e invalidando as outras. Só ela é universal em última instância, transnacional,
transcultural.

Os agricultores, os homens da terra, se reconhecem acima e
abaixo das fronteiras. Eles têm uma mesma cultura. Uma cultura
da produção, como ainda dizia Carlos Sossaï. Uma cultura da
prova, da experiência que eles compartilham com os verdadeiros
cientistas, que também estão na escola da verificação e da
experimentação.
3 - E portanto meu presidente de Universidade que é físico,
cita um provérbio chinês para questionar esta escola da
experiência : a experiência é como uma bandeira, uma luz

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que levamos nas costas. Ela ilumina somente o passado. Se
o futuro se apresenta nas mesmas condições, sua
iluminação será valida. Mas se estas condições mudarem,
nas sociedades que evoluem rapidamente, as lições da
experiência anterior não são mais aplicáveis, pelos menos
não automaticamente, sem reflexão critica e aprofundada
para definir o que ainda é válido, extrair o essencial do
acidental, do conjuntural.

A contribuição formadora da experiência, também no desenvolvimento pessoal, é ligada ao tempo. "Outro tempo, outro
costume", diz um provérbio que pretende consignar esta
experiência do tempo.
A contribuição formadora é também ligada à natureza da
experiência. Existem as más experiências, que ferem até à morte, traumatizam e paralisam para toda vida.
O terceiro fator de peso, é o das pessoas. Existem pessoas que transformam tudo em oportunidade de desenvolvimento. Elas
fazem "fogo de todas as madeiras". Por outro lado, existem outras
que não aprendem nada. Resistência, bloqueio completo diante de
tudo que lhes acontece.
Ligada às pessoas, à sua natureza, e às épocas, a experiência
não contribui automaticamente para o desenvolvimento das
pessoas. É talvez uma grande escola da aprendizagem, mas ela
não funciona sozinha, nem automaticamente. Ela mesma está
aprendendo. É o que procura fazer a escola da Alternância.
Tentaremos extrair deI a três condições maiores.


Três condições para que a experiência
se desenvolva pessoalmente

1-     A primeira, necessária mas não suficiente, é que tenha experiência, ou seja, um contato direto entre o organismo e
o ambiente, encontro entre ação/interação/transação. Não
é tão facil!
Como meus colegas franceses, eu também vim ao Brasil. Mas
não teríamos uma grande experiência brasileira, se não tivéssemos


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nos encontrado, contactado, e nos interrogado. Através deste
Seminario, graças a vocês, temos uma pequena experiência
bràsileira. Será que ela vai ser formadora e nos desenvolver? Não
sem a segunda condição que é a reflexão.
2-     a reflexão. Vai ser preciso refletir, voltar explicitarnente
para esta experiência, discuti-la, escrevê-la, para que
possamos dela tirar lições, explicitá-las para realmente
conhecer e nos concientizar daquilo que vivenciamos.

A escola da experiência se expande em dois tempos: um tempo
de interação e um tempo de reflexão. Quanto mais o tempo de
interação é forte, mais o tempo de reflexão é longo para
compreender realmente o que foi vivido.
Estas condições nos levam a colocar uma primeira definição.
Foi em um barzinho que eu encontrei a melhor definição da
experiência formadora : "a experiência é como urna professora
temível, que primeiro aplica a prova para depois dar as aulas" .
A altemância é a vida com esta professora temível mas super-
adorável para ser aprovado no exame da vida e tentar compreender
um pouco o porque e o como.
3-     Para que a experiência se desenvolva, e aí está a terceira condição, é preciso ter alternância entre a interação e a
reflexão e em dupla altemância, nos dois sentidos. Nada
de amor sem reciprocidade.
Para comunicar esta reciprocidade integrada, os pioneiros
da Alternância falaram da Alternância Copulativa : a interação
deve se associar com a reflexão. E a reflexão se associa com a ação.
Então neste caso, atinge-se uma ação inteligente que os gregos
chamaram práxis. Para que se tenha desenvolvimento, tem que
passar do modelo transmissivo da educação bancária ou da ciência
aplicada àquele do ator reflexivo se conscientizando pela
transformação, aprendendo ao empreender. Não é uma utopia, as testemunhas mostraram exemplos desta passagem.


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A Alternância :
Uma trans-escola da experiência

O debate e o combate, eu diria, amoroso, entre a ação e a
reflexão desenvolve uma Altemância que pode ser vista como uma
trans-escola da experiência. De fato, através mas também para além
da experiência, esta Alternância integrativa gera a si mesma como
auto-escola, as outras como co-escola e até mesmo as coisas como
parceiro da aprendizagem (eco-escola). As relações à si mesma, aos
outros e as coisas são transformadas. É o que escreveram os dois
porta-vozes do trabalho em grupo : José Manuel Souza presidente da Associação do CEFFA (Centro de Formação Familiar em Altemância)
de Coroatá do Maranhão e José Abel Magalhães de Azevedo, egresso
dos CEFFA e agora agricultor, sobre diversos aspectos :

Desenvolvimento de si mesmo, apropriação da formação
" o CEFFA me ajudou a enfrentar a realidade sem esperar
tudo das autoridades. Eu tomo a iniciativa. Hoje eu vou
à escola familiar dos agricultores e não àquela dos
padres" (J.M. Souza).

" o CEFFA foi um fator fundamental para reconquistar
uma identidade pessoal, cultural e a melhorar minha
auto-estima" (J.A.M. de Azevedo).

Desenvolvimento do companheirismo e da solidariedade:
Esta aprendizagem inter-relacional da cooperação é tanto
inter-geracional familiar, com seus filhos, quanto intra-
geracional, com seus vizinhos e mesmo seu cônjuge.

" o CEFFA me ajuda a estabelecer relações com as
crianças em casa. As conversas são abertas e sobre
assuntos variados, sem medo. As crianças passam a ser
nossos companheiros. Compartilhamos entre nós todas
as tarefas e todos colaboram em todos os trabalhos
dentro e fora da casa" (J.M. Souza).

« Com o CEFFA aprendemos com nossas crianças e nós
nos ensinamos" (J.M. Souza).



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"0 CEFFA me ajudou a permanecer no meio rural junto
com meus pais até hoje" (J.A.M. de Azevedo).

« Meu engajamento social encontra sua origem na
aprendizagem do CEFFA. Atualmente, eu sou vereador
sem deixar de ser agricultor" (J.A. de Azevedo).

Abertura de relações mais variadas com a terra
A terra não é mais vista como um recurso à explorar
mecanicamente, mas também a cultivar com inteligência
e variedade.

" o CEFFA me ajuda a melhorar nossas roças. Hoje nós
plantamos várias culturas" (J.M. Souza).

" o CEFFA estimula a melhorar a cultura da terra. Eu
não uso mais queimada" (J.M. Souza).

" o CEFFA me ajudou a melhorar a propriedade, à
diversificar a cultura e a criação. Desta forma
conseguimos viver melhor" (J.A.M. de Azevedo).

" o CEFFA me ensinou a ser polivalente, a saber fazer
várias coisas, à utilizar técnicas de cultura e de criação
de animais, à utilizar máquinas e os equipamentos, a
transformar certos produtos, e a não ter medo de
enfrentar a realidade atual que muda rapidamente"
(J. A.M. de Azevedo).

Estas expressões diretas de experiências dos agricultores,
antigos alunos e/ou responsáveis do CEFFA, atestam contribuições pessoais, sociais e ecológicas que a articulação da reflexão com
suas ações desenvolvem. Estas contribuições constituem aquisições
que necessitam de um reconhecimento social e institucional para
realizar-se plenamente através e além das pessoas. Este
reconhecimento sócio-institucional das experiências pessoais
adquiridas é o próximo passo a realizar para operar a passagem
do paradigma descendente da ciência aplicada ao ascendente do
prático reflexivo.

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O reconhecimento e validação institucional
das aquisições experienciais

Este passo do reconhecimento institucional das aquisições experienciais é uma grande etapa à realizar. É mesmo uma grande
luta que começa em múltiplas frentes, pedagógica, metodológica, epistemológica mas também jurídica e institucional. Estas frentes
vem sendo abertas diferenciadamente conforme os países. Por
exemplo, na França, uma lei relativamente recente (1992) dá direito
a todo adulto tendo mais de cinco anos de vida profissional poder
dar entrada a um processo de validação escolar e universitário de
suas aquisições experienciais. A aplicação desta lei exigirá décadas
para se operar de maneira justa e pertinente.
Por isto esta luta não acabou. Ela está apenas começando.
Mas hoje, eu tenho a impressão que este encontro entre nós e entre
os dois grandes movimentos educativos da Alternância e da conscientização, marca um momento historico. Eis porque a
Pedagogia da Alternância pode também ser a Pedagogia da
Esperança.


BIBLIOGRAFIA

COURTOIS Bernadette, Pineau Gaston (Coord.) 1991,« La formation expérientielle des adultes », Paris, la Documentation française.
DEMOL Jean-Noël, Pilon Jean-Marc (Coord.) 1998, « Alternance, développement personnel et local », Paris, Montreal, l'Harmattan.
GEAY André, 1998, « L'école de l'alternance », Paris, Montreal, l'Harmattan.
PINEAU Gaston, Liéard Bernard, Chaput Monique (Coord.) 1997,
« Reconnaître les acquis. Démarche d'exploration personnalisée », Paris. L'Harmattan.


Description : Image couverture pédagogia da alternança.jpg

SUMÁRIO

Apresentação
Aimé Caeckelbergh, Presidente da Solidariedade Interncional dos
Movimentos Familiares de Formação Rural - SIMFR ...................... 11

Prefácio
João Batista Pereira de Queiroz, Doutor em Ciências Sociais, Professor da Universidáde Católica de Brasília - UCB ........................................................................................................... 13

Palavras de abertura
Carlos Cristóvão Sossai, Agricultor Familiar, Presidente da União
Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil - UNEFAB .......... 15

A Formação entre o Desenvolvimento Sustentáve1 e o Desenvolvimento Humano.
Teresa Ambrósio ...................................................................... 20

A Maison Familiale Rurale do Granit
Daniel Lambert ........................................................................ 33


Escolas Familias Agricolas e Universidade do Estado da Bahia: uma parceria no contexto da Pedagogia da Alternância.
Norma Neyde Queiroz de Moraes ................................................. 43

AIternância e formação universitária: o MST e o curso Pedagogia da Terra.
Edgar Jorge Kolling .................................................................. 54

Formaçoes universitârias em alternância no Canada e na França.
Gaston Pineau .......................................................................... 62

Formação universitaria em alternância em Portugal
Maria do Loreto Paiva Couceiro ................................................. .79


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FORMAÇÕES UNIVERSITÁRIAS EM ALTERNANCIA
NO CANADA E NA FRANÇA

GASTON PINEAU
Universidade François Rabelais de Tours França


Mesmo se em termos de habitantes reunidos, o Canadá e a França só chegam a um pouco mais da metade dos habitantes do Brasil (90 milhões contra 170 para o Brasil), são países, todavia, bastante complexos e diferentes.
Vocês entenderão que em meia hora, só será possível sobrevoar
a situação de suas formações universitárias em alternância. Principalmente que no final ainda gostaria de estender a geografia e advogar em favor da construção de uma rede universitária
transatlântica - América do Norte, Europa, América do Sul - para
a pesquisa-ação sobre a alternância. Em 10 anos, marcos suficientes foram colocados para que este projeto de rede inter-universitária internacional sobre a alternância não seja mais uma utopia mas sim,
um outro pequeno passo a fazer em favor de um desenvolvimento sustentável.
Nós partimos então para uma breve viagem, sobrevoando as
formações universitárias em alternância:
- no Canadá com um enfoque sobre o Quebec;
- na França;
- e em seguida no espaço transatlântico: América do Norte -
América do Sul - Europa.

Esta viagem torna-se possível graças a um certo número de encontros e de produções anteriores. Para a situação atual da
Formação Universitária em Alternância no Canadá, Québec e na
França, apoiar-me-ei principalmente sobre uma obra recente
coordenada pelo quebequense Carol Landry, "A Formação em alternância. Estado das práticas e das pesquisas", Montreal, PUQ,

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_____________________ II Seminário Internacional da Pedagogia da Alternância


2002. Para a terceira parte trabalharemos a partir de um quadro dos colóquios e produções dos 10 últimos anos.

I - Sobrevôo das Formações Universitárias em
Alternância no Canadá e no Quebec.

Em superfîcie, o Canadá é um pouco maior do que o Brasil: 10 milhões de km2 contra 8,5 milhões. Mas em termos de população, representa apenas 1/5 do Brasil: 30 milhões contra 170 milhões.
Como o Brasil, é um estado federal mas com apenas 10 provincias contra 24 para vocês. Em princípio, é um país bilíngüe com 7
milhões de francófonos concentrados principalmente na Província de Quebec.

I - 1 Ensino cooperativo universitário no Canadá

Em Inglês, fala-se de ensino cooperativo e não de formação em alternância. Si as duas expressões se referem a uma mesma visão de articulação entre traba1ho e estudo, a expressão inglesa de cooperação destaca a dimensão social de operações a serem feitas no máximo juntos; em parceria; a expressão francesa destaca a dimensão tem-
poral. Estas operações sociais de estudo e de trabalho realizam-se
em tempos diferentes a serem conjugados. As duas expressões nos lembram então duas dimensões - temporal e social - atuantes nestas formações misturando trabalho e estudos. Nós as reencontraremos
no final.

Nascimento                 

 (Reconhece-se geralmente o ano de 1957 como sendo o inicio do movimento do ensino cooperativo nos estabelecimentos de estudos pós-secundários no Canada) e é no estabelecimento de ensino conhecido hoje pelo nome de Universidade de Waterloo que ele nasceu. No meio dos

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anos de 1950, a região de Waterloo foi o teatro de um forte crescimento nos setores industrial e manufatureiro. Uma coalizão de empreendedores, de gestores e de moradores da região, a maioria sendo atrelados às sociedades com sedes administrativas nos Estados Unidos, reuniram-se para formar uma universidade especializada em tecnologia. Em razão de sua composição, este grupo estava consciente, ao mesmo tempo, do movimento existente de ensino cooperativo nos Estados Unidos e de sua forma britânica paralela chamada "ensino sanduiche" principalmente associada à engenharia, às ciências e às tecnologias (McCallum e Wilson, 1988). Este grupo conseguiu fundar um estabelecimento dotado de um programa de engenharia, baseado no ensino cooperativo e, em julho de 1957, este novo estabelecimento acolhia setenta e cinco estudantes de engenharia num programa de ensino cooperativo" (Van Gyn G., Grove White E., 2002, p. 52).

o ensino cooperativo universitário canadense nasceu desta
maneira no meio industrial, cruzando a influência conjugada do
ensino cooperativo nascido nos Estados Unidos no início do século
XX e do "sandwich learning" ing1ês dos anos 1950.

"O modelo de ensino cooperativo se expandiu rapidamente no início dos anos sessenta) primeiro na Universidade de Sherbrooke no Quebec (Engenharia e Administração de Negócios, 1966)) na Universidade Memorial de Terre-Neuve (Engenharia, 1968), na Universidade de Regina em Saskatchewan (Engenharia, 1969) e no Colégio Técnico da Nova-Escócia (Arquitetura, 1970)"(Van Gyn G., 2002, P. 52).
No Quebec, será por acaso que nesta mesma região de
Sherbrooke se implantaram as Casas Familiares Rurais em
1999?
"Em 1973, os membros de 15 estabelecimentos de ensino reuniram-se para formar a ACDEC (Associação Canadense de Ensino Cooperativo). Este organismo profissional foi criado para oferecer aos educadores, aos diretores de estabelecimento, aos empregadores e aos

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_____________________ II Seminário Internacional da Pedagogia da Alternância


estudantes um fórum para trocar idéias e experiências: se traniformou numa fonte de informação para aqueles que se interessam ao modelo de ensino cooperativo. Em 1977, a ACDEC constituiu um conselho oficial para coordenar a qualidade dos programas de ensino cooperativo pós-secundários no Canadá, e para atribuir o reconhecimento aos programas que respeitavam as normas que ela tinha aprovado" (Van Gyn G., 2002, p. 53).

Desenvolvimento

Em 2000 2001, o ensino cooperativo está sendo oferecido em 50 das 94 universidades canadenses, ou seja, mais da metade. Atinge mais de 50 áreas de estudos profissionais tanto práticas quanto teóricas e èstaria sendo seguido por mais ou menos 10% dos estudantes universitários. Não a maioria. Mas, está em pleno desenvolvimento.
"Os empregadores consideram cada vez mais os programas de ensino cooperativo como sendo instrumentos privilegiados de recrutamento...O desafio que se impõe... consistirá em manter o controle da prática do ensino cooperativo e em zelar para que a ligação entre a aquisição dos conhecimentos teóricos e a experiência no meio profissional do estudante seja mantida" (Van Gyn G., p. 78). A ACDEC a isto se dedica.

Organização

Os autores apresentam em seguida modelos de programas de estudos, modelos organizacionais, modos de financiamento, os
desafios e a organização nacional e internacional deste ensino
cooperativo universitário.
A Associação Canadense de Ensino Cooperativo (ACDEC) (p.
52-53) e (p. 75 -76) faz parte da Associação de Educação Cooperativa (CEA) estabelecida nos Estados Unidos.
Para ser reconhecido por esta associação, precisa-se respeitar os
seguintes critérios:

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1. "O estabelecimento de Ensino propõe e/ou aceita o estágio
     mais favorável à aprendizagem,
2. O estudante que participa do programa efetua um trabalho
     útil e não está confinado num papel de observador,
3. O estudante é remunerado pelo seu trabalho,
4. Os progressos no trabalho são seguidos pelo estabelecimento,
5. O empregador supervisiona o trabalho do estudante e avalia
     seu rendimento,
6. O tempo dedicado aos estágios representa em média 50% do
      tempo dedicado aos estudos e nunca menos de 30%" (Van
     Gyn G., 2002, p. 52).

I - 2 Ensino Universitário Cooperativo ou Alternância
trabalho / estudos no Quebec

No seu capítulo sobre a construção da Alternância no Quebec, Carol Landry esclarece primeiro que em nível universitário fala-se sempre de ensino cooperativo, de regime ou de sistema cooperativo enquanto nos outros níveis, a alternância trabalho / estudo (ATE)
se torna a expressão consagrada. Esta expressão (ATE) foi lançada
em 1986 por um programa de subvenção do Governo Federal (p.
13).
"No meio universitário, o ensino cooperativo é muito concentrado em alguns estabelecimentos e disciplinas. De fato, constata-se que no meio
dos sete estabelecimentos participantes, mais de três quartos dos projetos (49 de 66) acontecem somente em 2 universidades: Sherbrooke, a instituição francófona mãe deste tipo de formação e Concórdia para as universidades anglófonas... Além disto, as ciéncias puras e aplicadas representam aproximadamente 70% dos projetos em curso. Esta concentração do ensino cooperativo, principalmente nas disciplinas das ciências aplicadas e em uma medida menor nas ciências de administração, corresponde, grosso modo, ao que acontece em outros lugares, tanto no Canadá auanto nos Estados Unidos" (p. 17).


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O efetivo dos estudantes representaria 3,6% dos alunos universitários. Três vezes menos, então, que a média canadense.
Landry comenta que se a Alternância ocupa bastante terreno no
discurso institucional, ela encontra, todavia, dificuldades para se implantar massivamente. A amplitude e a complexidade dos desafios levantados pela institucionalização universitária da alternância
explicam esta lentidão. De fato, esta institucionalização universitária
da alternância não coloca somente problemas pedagógicos internos
para as universidades. Ela levanta também problemas interorganizacionais de mudança de relação com as outras
organizações do meio. Instituir uma alternância produtora de novos saberes científicos implica, para as universidades, passar de uma
relação epistemocrática de superioridade para uma relação de cooperação: ensino cooperativo. Precisa tomar consciência do
sentido das palavras. Não é fácil quando estas são carregadas pesadamente de mudanças de comportamento.
O ensino universitário cooperativo alternante supõe que os representantes dos organismos profissionais não podem ser mais considerados como simples operadores, como simples
acompanhantes para enquadrar os estudantes. Devem tornar-se cooperadores, parceiros nesta nova produção de novos saberes. Não
se trata apenas de uma nova maneira - um pouco mais prática e
aplicada - de consumir cursos, saberes disciplinares clássicos. Trata-
se de inventar, de construir institucionalmente novas relações sociais
de produção de saberes. Novas relações sociais onde universitários
e profissionais são considerados como produtores de saberes. Não
dos mesmos saberes. Nem da mesma maneira. E é porque são
diferentes que sua cooperação é necessária para a produção de saberes complexos, novos, pertinentes para tratar os problemas novos,
colocados por um mundo em mudança, móvel, em movimento
perpetuo.
Em relação às pesquisas sobre as condições em parceria de uma formação alternante cooperativa, produtora de saberes, Carol
Landry estabelece uma tipologia dos parceiros da alternância: (p.
36-40) (cf: tabela):

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_____________________ II Seminário Internacional da Pedagogia da Alternância


- 0 parceiro produtor - empreendedor;
- 0 parceiro patrão - empregador;
- 0 parceiro papi - filantropo;
- 0 parceiro profissional - formador

O parceiro produtor - empreendedor é, antes, mobilizado pela produção a ser assegurada segundo uma lógica econômica onde a alternância permite uma seleção dos melhores candidatos. Ele
mantém relações privilegiadas, principalmente formais e funcionais, com os parceiros, principalmente administrativos, da escola.

Os objetivos do parceiro patrão-empregador ultrapassa os horizontes de seleção imediata para visar o controle máximo dos dispositivos da alternância segundo uma lógica político-econômica
de alternância - marketing. Suas relações principais são de tipo institucional e estratégico com os fortes parceiros sociais implicados: estado e sindicatos.

O papi - filantropo enxerga na alternância, em primeiro lugar,
um meio de ajudar na inserção profissional dos jovens. Neste
objetivo e lógica, e1e mantém relações pessoais com o alternante e
os parceiros pedagógicos.

O parceiro profissional - formador se concentra sobre a eficácia
da formação. Discute isto profissionalmente com o alternante e os parceiros pedagógicos, trabalhando a integração da contribuição experiencial deste tempo terreno no processo de conjunto da
formação.

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_____________________ II Seminário Internacional da Pedagogia da Alternância


Tabela n° 1 - TIPOlOGIA DOS PARCEIROS DA AlTERNÂNCIA (Extrato de C. Landry, 2002, La formation en alternance. Etat des pratiques et des recherches, Montréal, Presses de l'Université du Québec, p. 36 - 41)

Elementos da Alternância
Tipo de parceiros

Objetivo


Lógica

Tipo de relaçõe


Productor-empreendedor
Produção imediata
Relações formais e funcionais com os parceiros escolares
Lógica econômica de uma alternância produção/seleção

Patrão - empregador
Controle dos dispositivos da  alternância
Relações estratégícas com parceiros sociais (Estado Sindicatos)
Lógica político-econômica de uma alternância-marketing

Papi-
filantropo
Humanista
e civico
Relações personalistas com os alternantes e
os parceiros pedagógicos
Lógica social e cidada de uma alternância /
inserção

Profissional-formador
Eficácia
da
formação

Relação profissional
com o
altemante e
os parceiros pedagógicos
Lógica experiencial de uma alternância formação permanente



Esta tipologia das possíveis parcerias que implica a
institucionalização da formação universitária em alternância
demonstra que esta formação não levanta somente problemas pedagógicos internos às universidades. Ela levant a tambén
problemas, diria, ecológicos, de construção de novas relações entre
a universidade e o meio e, mesmo ainda mais globalmente, entre economia e educação.

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_____________________ II Seminário Internacional da Pedagogia da Alternância


A terceira parte da obra coordenada por Landry estuda a institucionalização destas formações em alternância de um ponto
de vista macrosocial, na busca de novas relações entre educação e economia. Esta abordagem educativa é indissociável de perspectivas interinstitucionais e sócio-econômicas. Esta terceira parte começa
pondo marcos teóricos extremamente interessantes para abordar
este megaproblema das relações entre educação e economia posto
pela alternância. Ao lado das grandes abordagens estruturais, P.
Doray et B. Fusulier por exemplo, optam por uma abordagem das negociações constituintes que permite entender melhor a evolução
das políticas e das estratégias de atores na construção social da alternância. E com essa abordagem, eles analisam de maneira comparativa dois dispositivos de alternância no Quebec e na Bélgica.
Como, na França, se constrói socialmente a formação
universitária em alternância?

II - A formação universitária em alternância na França

Para ter uma idéia geral da situação francesa, basear-me-ei no capítulo de dois especialistas pioneiros oriundos das Casas Familiares Rurais, hoje docentes pesquisadores universitários em Lille. Trata-
se de Jean Clénet et Jean-Noël Demol. Muitos já conhecem Jean-
Noël Demol, que estava presente no Primeiro Seminário
Internacional em Salvador.
(Desde o início do século XIX, a formação dos engenheiros, nas
grandes escolas francesas, continha estágios de "terreno" (Girod de l'Ain, 1974). Mas, progressivamente, o campo dos estudos teóricos se fortaleceu. Estes se impuseram no "ambiente fechado da universidade ou da escola superior"(Girod de l'Ain, 1974, p. VI). Só os alunos dos institutos universitários de tecnologia (IUT)) criados em 1965, devem ir em estágio durante seus dois anos de estudo.
Somente a partir dos anos 1990, a Universidade Francesa fez um grande esforço de abertura para o mudo profissional. Citam-se dois exemplos: as novas formações de engenheiros pela aprendizagem (fileira

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Descompes) e a criação dos institutos universitarios profissionalizados (IUP, criados em 1992). Paralelamente, vários diplomas benificiaram da prática de estágios: diplomas de engenheiros, DESS (Diploma de Estudos Superiores Especializados) e mesmo alguns diplomas mais clássicos (licenciaturas, mestrados). A criação das licenciaturas profissionais a partir de 1999 só faz acelerar este movimento.
Convém precisar que fora algumas formações específicas, a Universidade se abre para a prática dos estágios. Dai a dizer que altas estratégias de alternância contendo concepções de formações adaptadas ao mundo profissional, estratégias pedagógicas e modos de avaliação específicas se desenvolvem, ainda há um caminho a percorrer. Todavia, precisa sublinhar o esforço extremamente importante de algumas universidades . E, por exemplo, o caso da Universidade das Ciências e Tecnologias, em Lille, USTL, Lille I, que acolhe um público muito
numeroso em formação continua e que se presta ao jogo da "grande alternância", períodos de trabalho e de formações longas" (Clénet J., Demol J.C., 2002, p. 54).

É esta grande alternância da formação contínua universitária
que gostaria de comentar um pouco. Ela me parece, de fato, muito diferente da pequena alternância que começa a se infiltrar nos di·
plomas da formação inicial pela introdução de estágios. Parece-me
que a principal diferença, mas de onde vão decorrer as outras depois,
é o estatuto do alternante.
Na pequena alternância da formação inicial, o alternante socialmente, é primeiro um estudante que faz estágios. E os estágios representam no máximo 50% do tempo de estudo e, muitas vezes, menos. Ele tem uma bagagem experiencial leve.
Na grande a1ternância da formação contínua, o alternante socialmente é primeiro um não-estudante, um adulto no trabalho
ou sem trabalho, que retoma estudos com uma bagagem experiencial pesada. Qualquer que seja a freqüência dos tempos de estudo, esta bagagem experiencial é pesada e faz contrapeso a toda aprendizagem priorizando os saberes disciplinares. Os adultos chegam com

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problemas experienciais a serem resolvidos - profissionais ou existenciais. Se o tempo de estudo não abre primeiro um espaço/
tempo de expressão destes problemas, sua pressão semi-consciente bloqueia ou dificulta a abertura do alternante para o acréscimo de informações externas. As informações externas só têm sentido
quando elas ajudam a tratar os problemas experienciais veiculados
pelos adultos. Tratar estes problemas experienciais numa formação universitária longa, alternante, supõe transformá-los em projeto de pesquisa-ação-formação, garantindo o vai e vem entre terrenos e
livros.
A formação contínua em alternância acontece fazendo uma pesquisa sobre as ações-problemas. É uma atitude ativa de produção de saberes, uma atitude que se apropria o poder de aprender
empreendendo uma pesquisa, uma reflexão sistemática e armada,
sobre um problema pertinente. É uma auto-formação por co-
produção de saberes.
No livro do Primeiro Seminário, Jean-Noël Demol específica c1aramente esta engenharia de formação contínua por alternância a partir de um diploma de Tours: o DUHEPS. O mestrado Formação
e Desenvolvimento Sustentável foi construído nesta dinâmica de formação por produção de saberes.
De um ponto de vista mais amplo, a curta história pedagógica
da formação contínua universitária na França, que tenta inserir
períodos de estudo no emprego do tempo sócio-profissional dos
adultos, destaca três modelos:
• O modelo da oferta de cursos pré-existentes nos anos
de 1970, pela simples extensão do ensino disciplinar em tem-
pos "livres" dos adultos (noite, fim de semana). Periodo dos
catálogos das formações.
• O modelo de abertura à demanda nos anos de 1980
pela criação de diplomas apropriados interdisciplinares: DU
e DESS. O DUHEPS nasceu neste período.
• A emergência de novas contratualizações para construir

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_____________________ II Seminário Internacional da Pedagogia da Alternância


modelos de parceria de formação-ação-pesquisa universitária,
de produção de saberes em comum. Chega-se numa fase transdisciplinar, na medida em que não são mais somente as disciplinas que são visadas, mas os saberes de ação
desenvolvidos pelas práticas profissionais e experienciais. A
lei recente sobre a Validação dos Adquiridos Experienciais
(VAE) é um Cavalo de Tróia. A aplicação desta lei, que representa uma revolução epistemológica para a
Universidade, implica a mudança radical do modo de
trabalho universitário.

Esta mudança de modo de trabalho universitário que implica a partilha do poder e do saber formar inerente a uma formação
alternante cooperativa é uma mudança paradigmática a longo prazo. Esta visão dos dois lados do Atlântico Norte demonstra que esta mudança já começou há várias décadas e que e1a tende a desenvolver-
se na formação inicial. A institucionalização progressiva da formação contínua universitária deveria fortalecer este desenvolvimento de
todo o peso considerável da formação experiencial dos adultos.
Este segundo seminário no Brasil sobre a pedagogia da alternância é um indicativo forte da presença ativa deste movimento sócio-educativo na América do Sul. Para não se lançar numa mundialização unicamente competitiva, está na hora de medir nosso parentesco e
de construir pontes transatlânticas para desenvolver ações
comparativas de pesquisa-formação em alternância.
Éis porque no final desenvolverei a proposta de criar uma rede interuniversitária internacional de formação-pesquisa em alternância.

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III. Por uma Rede Interuniversitaria Internacional de
Formação - Pesquisa em Alternância (RIIFRA)

Permito-me fazer a proposta da criação desta rede internacional apoiando-me:
1.     Sobre o objetivo geral do colóquio através, principalmente,
do terceiro objetivo específico: consolidar a articulação dos universitários e dos profissionais da alternância;
2    Sobre o processo de desenvolvimento desta articulação já
em curso há uns dez anos. Lembrar os principais mo-
mentos e elementos e explicitar as principais característi-
cas pode permitir consolidar este movimento;
3    A composição nacional e internacional deste seminário.
Juntando representações da América do Norte, da América
do Sul e da Europa, ele constitui um momento estraté-
gico para realizar mais um passo nesta articulação já em cur-
so, for malizando-a na forma de rede.

Sobrevoei os dez anos de história deste desenvolvimento na for-
ma da tabela seguinte. Destacam-se os principais encontros-colóqui-
os, com suas principais produções.
Esta tabela representa somente os grandes momentos e elementos indicadores deste processo de articulação universitários /
profissionais da alternância. Gostaria de comentá-la, destacando duas características deste processo: a alternância e a cooperação. Respeitar estas duas características me parece condição maior para consolidar
o desenvolvimento e torná-lo duradouro, se possivel.

1a característica: A alternância co1óquio-produção

Não há desenvolvimento se os encontros sociais de formação e
de informação não forem acompanhados por produções escritas.
Mas, a alternância é mais complexa que um modelo em dois tem-
pos. Referindo-me aos três movimentos do método da alternância destacada pela UNEFAB, diria que o processo de articulação

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universitários-profissionais da alternância deve fazer atuar de maneira integrada a Ação-Formação-Pesquisa. Tanto para os universitários quanto para os profissionais da alternância, diria que é a pesquisa
que pode ser a ligação entre a ação e a formação. Não ha formação
sem transformação de um problema de ação em projeto de pesquisa.
E a ação isolada não é formadora sem pesquisa, no sentido amplo, incluindo a reflexão mais ou menos ancorada e sistemática. Esta
tabela, então, só tem sentido se acrescentar as múltiplas ações-interações-retroações pessoais e sociais que possibilitaram estes encontros e estas produções. Homenagem, então, a todos os atores
e atoras desta sala que representam os milhares de pessoas implicadas
e portadoras deste processo de articulação. Os ausentes não devem, todavia, fazer esquecer os grandes organizadores que conceberam
este segundo seminário. Citarei os dois mais implicados: João Batista Pereira de Queiroz e Pedro Puig.
Tabela n° 2
COLÓQUIOS E PRODUÇÕES UNIVERSITÁRIAS TRANSATLÂNTICAS SOBRE A ALTERNÂNCIA - 1990/2002

COLÓQUIOS

1990 - Tours (França) — Primeiro Colóquios
A FORMAÇÃO POR PRODUÇÃO DE SABERES

1993 - Tours (França) — Segundo Colóquios A ALTERNÂNCIA

PRODUÇOES






1993 – CHARTIER D., LERBET G. (Coord.)
La formation para production de savoir. Paris, L'Harmattan, 265p. (Coleção Alternances et Développments).

1993 – Educação permanente, n° 115 L'alternance
1998 – GEAY André, L'école de l'alternance
Paris, L'Harmattan




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COLÓQUIOS

1996 – Rimouski (Québec, Canada) — Coloquio A ESCOLA DA EXPERIENCIA PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESSOA ET DA COLETIVIDADE NO MEIO RURAL





1999 – Salvador (Brasil) —
1° Seminário Internacional
ALTERNÂNCIA E DESENVOLVIMENTO






2002 – Brasília (Brasil) —
2° Seminário Internacional
FORMAÇÃO, ALTERNÂNCIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL

2002 – Paris (França) —
1° Conferência Internacional do Centro de Estudos e de Pesquisa
para a Alternância no Ensino Superior
(CERALTERS — CCI Paris).
A ALTERNÂNCIA ENSINO SUPERIOR

PRODUÇOES







1998 – Demol, J.N., Pilon J.M.,
L'alternance, développement personnel et local, Paris, L'Harmattan, 271 p. (Coleção Alternances et Développments)

1999 – Revue Française de
Pédagogie, n° 128.
L'alternance pour une approche
Complexe

2000 – PINEAU G., Temporalités en formation. Vers de nouveaux synchroniseurs 1, Paris, Anthropos,
2002, UNEFAB.

2002 – UNEFAB, Pedagogia da Alternância,
Alternância e Desenvolvimento
Brasília, Dupligráfica Editora

2002 – Ambrósio Teresa, Educação
e desenvolvimento. Contributo para
una mudança reflexiva da educação.
Lisboa, Universidade Nova de
Lisboa, 235 p.

2002 – Landry Carol (Coord.). La formation en alternance. Etat des
pratiques et des recherches.
Montreal, Presses de l'Université du Quebec, 350 p.




Nota ______________                                                                                                                                        1 Este livro foi traduzido para o português: "Temporalidades na formação. Rumo
a novos sincronizadores", tradução de Lúcia Pereira de Souza, Triom, 1a ed., São
Paulo 2004

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2a caracteristica — a cooperação

A segunda grande característica que me parece condição de desenvolvimento é a cooperação. A alternância é uma educação cooperativa e querer desenvolvê-la sem cooperação é um contrasenso estéril. Cooperação complexa em múltiplos níveis: interpessoal, regional, nacional, internacional.
- Interpessoal: é o nível básico que é o suporte de todos
os outros e que sozinho permite gerir a complexidade. Se
não estiver feliz em trabalhar juntos, não se irá longe. Retornando sobre a minha história de articulação com os profissionais de alternância é a principal lição que eu tiro.
- Na região do centro da França é a articulação Chartier/
Lerbet que criou nos anos 70/80, ao mesmo tempo, penso,
o Centro Pedagógico Nacional das Casas Familiares de Chaingy e o Departamento das Ciências da Educação e da Formação da Universidade de Tours.
- Nos anos 90, acredito ser a articulação Gimonet-Pineau que consolida esta cooperação em nível regional, em nível nacional e a estende em nível internacional; primeiro, em Lisboa, com o par T. Ambrósio - M. L. Couceiro e a criação
de seu Mestrado no início dos anos 90; depois no Quebec
com o seminário de Rimouski em 1996 e a fundação da 1a
Casa Familiar com o par André Campeau - Daniel Lam-
bert.
- No final dos anos 1990 e início dos anos 2000, o desenvolvimento internacional desta articulação
universitário/ profissional da alternância se estende ao Brasil
e à América do Sul: os dois seminários e o Mestrado for-
mam os meios para isso.
Mas, a complexidade destas cooperações regional/ nacional/ internacional é tal que aparece a necessidade de organismos terceiros: associações como SIMFR (Solidariedade Internacional dos
Movimentos Familiares de Formaçao Rural) e AIMFR (Associação

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lnternacional dos Movimentos Familiares de Formação Rural). Os atores multiplicam-se em cada nível, em cada um dos dois pólos universitários/ profissionais. Felizmente emergem terceiros
mediadores em nível internacional. E em nível nacional do Brasil, cogita-se o projeto de um Centro Pedagógico Nacional da
Alternância.
Parece-me que, do lado universitário, a complexidade começa a crescer tanto no plano regional/ nacional e internacional que é preciso fazer um pequeno passo de organização mínima: é a razão pela qual proponho a criação desta rede que, pelo menos no Brasil, teria como objetivo a retomada deste Mestrado Formação e Desenvolvimento Sustentável catalisador. Segundo objetivo: cooperar com os profissionais da alternância, dos CEFFAs (Centros Familiares de Formação em Alternância) para desenvolver formações-pesquisas pertinentes. Terceiro objetivo: desenvolver um modelo de
alternância além do rural, como alternativa ao modelo escolar e
universitário.
Em noite anterior, em um encontro com os estudantes do
Mestrado, Pedro Demo, como praticamente todos os analistas, estabeleceu um diagnóstico muito negro do ensino. Os intervenientes anteriores neste seminário, José Eli da Veiga, Teresa Ambrósio,
Edgar Jorge Kolling e Norma Neide Queiroz de Moraes nos
mostraram a amplitude dos problemas, mas também pistas tanto
para o desenvolvimento sustentável quanto para a formação. Em cooperação interprofissional, regional, nacional e internacional e
em alternância de ação-formação-pesquisa, a pedagogia da alternância
já constrói uma alternativa que nos mobiliza. Nos cabe desenvolvê-
la com inteligência e audácia.

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FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA EM
ALTERNÂNCIA EM Portugal

MARIA DO LORETO PAIVA COUCEIRO
Universidade Nova de Lisboa - Portugal


Introduçao

É com muito gosto que estou a participar neste Seminário.
Se considero estes encontros sempre extremamente
enriquecedores, participar neste Seminário do outro lado do
Atlântico - e para mim é a primeira vez - juntando, para além dos
muitos participantes brasileiros, participantes de outros países da América Latina, da França, do Canadá, de Portugal, é um enorme privilégio.
Além disso não se trata de um encontro muito comum, na
medida em que reúne, numa mesma busca, investigadores e pessoas
da intervenção no terreno, sendo estas próprias, aliás, as primeiras instigadoras do evento.
Penso haver aqui algo de extremamente desafiador, significando
e pressupondo uma postura epistemológica, ou seja, uma postura
em relação ao conhecimento, profundamente enraizada nos
paradigmas emergentes sobre a educação e a formação, sublinhando
que é na alternância entre teoria e prática, entre saberes teóricos e científicos e saberes da ação, que a nossa compreensão da realidade pode aprofundar-se e o conhecimento enriquecer-se.
Trabalho profissionalmente no campo da Educação e da
Formação, na Universidade Nova de Lisboa. Mas mantenho também uma ligação estreita a contextos não universitários onde a formação de adultos é uma dimensão central da sua ação, em particular, entre
outros, no âmbito do GRAAL, Movimento internacional de
mulheres, de raiz cristã, de que faço parte, e no quadro da ANEFA, Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos, onde tenho
sido convidada a intervir.

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140

4.3

AS RELAÇÕES ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO
ÂMBITO DA EDUCAÇÃO PERMANENTE l

Gaston Pineau2


O problema das relações entre a teoria e a prática no âmbito da educação permanente revela-se importante e complexo. A nosso ver,
ele nos projeta para a construção do nosso próprio futuro.

Gostaria primeiramente de colocar essa problemática dentro
de uma rápida perspectiva histórica. Em seguida, proporei três
pistas de reflexão:

1.     Um questionamento sobre a educação permanente e as
relações complexas num duplo sentido que nos parece apropriado chamar de teoria e prática.



______________________

l Palestra realizada em 10 de janeiro de 2002, no Centro Pedagógico da
Universidade Federal do Espírito Santo. Texto originariamente escrito em
francês apresentado com tradução simultânea. Traduzido pelo professor João
Assis Rodrigues, doutorando em Ciências da Educação da Universisité
Catholique de Louvain-La-Neuve Belgique e membro do Grupo Pesquisa em
Ciências da Educação (GREPCEA) França. Colaboraram na leitura e correção
do texto Inês Bareel (Bélgica) e Américo Somerman (São Paulo).

2Professor Doutor da Universidade de Tours da França.



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2.  Retomarei um modelo antigo, desconhecido, de educação permanente, estruturando as relações entre a teoria e a prática de
forma bastante preponderante.

3.  Finalmente, evocarei estudos mais modernos sobre a
construção do sistema "interface" para abordar as relações
alternantes, num duplo sentido, entre a teoria e a prática
conduzidas pela educação permanente.


RÁPIDO POSICIONAMENTO HISTÓRICO DO PROBLEMA

A educação permanente é uma prática e uma idéia —
podemos mesmo considerar uma teoria — muito antiga. Nas
culturas tradicionais, diz-se que os sábios são os antigos, pois eles aprenderam por muito mais tempo (pelo longo tempo de vivência)
em permanência.

Na primeira metade do século XX, a institucionalização de uma educação formal inicial - sob a forma de uma escola - inibiu e fez esquecer a permanência. Pensávamos que todo o saber importante poderia ser abstrato, concentrado teoricamente e transmitido formalmente nos primeiros anos de vida — infância e adolescência. A idade adulta consiste em aplicar nas práticas profissionais esses
saberes teóricos adquiridos na escola. Na relação entre a teoria e a


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prática, a institucionalização da escola construiu uma relação relativamente simples: descendente e em sentido único (Fig. 1).
 
Teoria
Prática

Figura 1 Relação em sentido único



Na segunda metade do século XX, a evolução acelerada das práticas profissionais, técnicas, científicas mas também
socioculturais criaram a necessidade de uma educação
permanente. Em 1972, a UNESCO, após um estudo internacional
sobre a educação, considerou a educação permanente como o
princípio organizador das práticas educativas futuras e explicitou
as grandes linhas no documento "Aprender a ser".

Mas essa abertura da educação para todas as idades e
setores levanta uma série de questionamentos profundos, inclusive
sobre as relações teoria-prática:

- Sera que a extensão da educação para todas as idades tem
a mesma relação descendente, em sentido único? Seria ela um


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prolongamento da formação escolar em perpetuidade contra a
qual se revoltava Illich?

- Ou será outra coisa? Mas o quê? As relações entre teoria e prática são mais complexas? Ao menos num duplo sentido:
descendente mas também ascendente? Cíclicas? Alternantes? Recursivas? Aprendemos dentro dessas práticas? Como? Qual
ligação com as abordagens teóricas?

uns trinta anos, em todos os continentes, essa
necessidade de incluir a educação permanente nas práticas da vida adulta suscitou estudos teóricos que forjaram novos conceitos:

- Conscientização: para brasileiros, que foi a origem, penso
eu, de uma das principais correntes pedagógicas modernas com
Paulo Freire como figura principal.

- Experimental learning: na América do Norte com Kolb e Réflexives Practionners com Shön.

- Formação experiencial: teoria tripolar da formação, por
si, os outros e as coisas. Reconhecimento do adquirido na França
e na Europa.


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Essas novas correntes e conceitos tentam teorizar as
práticas da educação permanente. Elas indicam que as relações
entre a teoria e a prática são mais complexas que num sentido
único e descendente.

Tentemos prosseguir na solução desse problema, de forma a

1. retomar uma definição um pouco mais minuciosa da
educação permanente;

2. evocar um modelo antigo mas sempre em ação;

2.     citar os estudos mais modernos de construção do sistema
de interface.


A EDUCAÇÃO PERMANENTE OU DUPLA ABERTURA - TEMPORAL E ESPACIAL - DO MElO EDUCATIVO

No início dos anos 70, o reconhecimento - ao menos pela UNESCO - da educação permanente como princípio das políticas educativas futuras, abre duplamente o campo educativo instituído.

Primeiramente uma ahertura temporal dos aprendizados adquiridos ao longo de toda a vida.


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Essa abertura temporal acrescenta pela menos 60 ou 70, até mesmo 80 anos, à idade educativa inicial (infância e
adolescência). Ela triplica ou quadruplica o tempo considerado normalmente como educativo. Esse tempo de 20 ou 30 anos
torna-se um tempo de formação inicial acompanhado do tempo de formação continua, de 60, 70 ou 80 em função da duração de
vida. Um tempo de formação continua bem diferente, conforme tenhamos 30, 40, 50, 60 ou 70 anos. Somente a passagem da vida adulta, da vida profissional para a vida pós-adulta e pós-trabalho assalariado levanta uma série de problemas práticos e teóricos relativamente inéditos.

Mas existe também uma abertura - espacial - em todos os
tipos de prática. Pensamos raramente nesse tipo de abertura que permanece muitas vezes virtual. A educação permanente é não
somente a abertura para todas as idades, mas também para todos
os setores profissionais, políticos, artísticos, religiosos, em nível nacional e internacional; no plano micro, mas também no macro. Existe uma espécie de mundialização do espaço vivi do - na
prática ou no virtual - que obriga novos aprendizados em todos os setores da vida.


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A maioria dos modelos teóricos herdados não conseguem
mais dar sentido às suas práticas. O sentido deve ser construido
com as práticas e com os pedaços de teoria que surgem na mídia.
Há ainda os fins antigos pertinentes que precisam ser conjugados
com os novos emergentes. Estamos numa transição de
paradigmas. As novas relações entre teoria e prática estabelecem-
se de forma complexa e em duplo sentido: cíclico, retroativo,
dialético e alternante (Fig. 2).

Description : image page 146.jpg



MODELO PLATÔNICO DA EDUCAÇÃO PERMANENTE E DA ARTICULAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA

Na abertura desta transição paradigmática da educação que podemos situar no início dos anos 70, eu me encontrava junto a
uma equipe de pesquisa em educação permanente ligada à


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Universidade de Montreal, no Quebec, Canadá. Fazia um estudo bibliográfico das fontes teóricas de educação permanente, que
serviu, em 1977, para a elaboração de meu livro "Education ou aliénation permanente: repères mythiques et politiques". Eu havia coletado uma centena de documentos, sobretudo de artigos,
daquilo que chamamos de velharia. Em vários deles, eu
encontrava a referência a um grande ancestral, Platão. Muitos
diziam que Platão já teria falado em tal assunto, mas ninguém
indicava precisamente onde, nem como.

Uma noite, decidi entrar na biblioteca de filosofia da
Universidade de Montreal e pesquisar as obras de Platão. Tive a surpresa e a satisfação de ver que Platão não só havia citado como construído um dos modelos teóricos mais desenvolvidos, mais
explícitos e mais potentes que eu jamais havia encontrado. Ele
chama esse modelo de longo circuito educativo — por oposição ao circuito curto da Academia para jovens — que ele já havia,
inclusive, contribuído a instaurar. Esse longo circuito educativo constitui a dimensão educativa do mito da Caverna, muitas vezes interpretado sob um aspecto epistemológico opondo a teoria
simbólica das idéias imutáveis e eternas às práticas materiais
opacas, símbolo de um porvir aleatório e incompreensível.


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Relembremos rapidamente o lugar e a história desse mito na
obra de Platão.

Ele se situa em A Republica (cap. 6) que é um livro
político. Platão, na dinâmica da democracia ateniense nascente,
busca a melhor forma de organização social. Ele já havi a tentado
várias formas políticas, com um único homem no poder
(monarquia), alguns (oligarquia), 0 povo (democracia). Ele se
confrontou em Siracusa com os limites do poder de um único
homem (Denys, o tirano) para organizar uma cidade, após ter sido confrontado em Atenas com os limites de um grupo (a oligarquia
dos Trinta) ou de um povo (a democracia). A fundação da
academia segue seus primeiros passos e revela a fé que Platão
concede então para a ação educativa, meio de assentar o poder
pela saber.

É preciso de algo mais que um organismo político, é preciso
o saber e, então, a educação. Ele é inspirado pela ascensão do
poder no saber e quer fundar uma epistemocracia. Ele fundou uma
das primeiras escolas para líderes - a academia - mas seus efeitos
não foram convincentes. Então, inicia um diagnóstico mais aprofundado, para tentar entender a situação humana de forma
mais ampla, de modo a propor uma solução ao problema.


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O mito da Caverna pretende representar essa situação
humana e o meio de organizá-la de maneira otimizada, por meio
do longo circuito educativo. Vejamos primeiramente a
modelizaçao, o mapa que ele traça dessa situação.


O CENÁRIO DO MITO DA CAVERNA

O mito da caverna (Fig. 3) articula de forma antagônica
dois mundos que possuem tempos diferentes, ou seja, o tempo da caverna é a imagem móvel da eternidade, imagem mutante, inconsistente, não organizada, incompreensível. A caverna é o
arquétipo da matriz maternal e também do túmulo, símbolo dos nascimentos, das mortes, dos acasos, transformações e
decomposições do porvir. O reforço trazido a esse simbolismo por aquele das trevas torna a situação incompreensível e, então,
inviável: "Quando a alma se dirige ao que é mesclado com a obscuridade, ao que nasce e se termina, ela só têm opiniões, ela vê turvo, ela varia e passa de uma extremidade para a outra, parece
ter perdido toda a sua inteligência" (R VI, 508d).

Assim é que nós somos envoltos pelas massas de chumbo,
"que são da familia do porvir". Mas existe, fora da caverna
tenebrosa, atrás dos prisioneiros e na altura, um outro mundo,


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simbolizado pelo céu e o Sol, onde o ser das coisas é imutável, eterno, iluminante e tornando inteligível o porvir das sombras.
























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Espaço pleno, redondo, imutável
Símbolo do ser transcendental, imutável,informante
Pólo formal da vida ideal/idealizável
Teorética, contemplação, espiritual, abstata
Espaco luminoso, caloroso, energizante

- carregado positivamente: em altura, em cheio, em luz, que carrega positivamente
- a cabeça, aposição da cabeça: palavra, audição, visão
- as práticas não manuais da vida reflexiva: estudo, arte, meditação e ciência
- os saberes autonomizados racionais, conceituais
- o homem, o pai, o chefe que impõe lei, o sentido





Pólo material da vida cotidiana, ativa, corporal, experiencial
• Espaços de bojo do
   porvir: da vida
   movente, mutante,
  cambiante


Espaço sombrio, sem
   visào clara, sem
   sentido evidente
(direçao, significação)

Simbolo do berço et da
sepultura

Simbolo da noite, dos
significados, do
negativo da vida

- carregado negativamente —
  embaixo, no oco, em negro, que carrega também negatividade
- as partes, os sentidos mais materiais do corpo, da mão, do sexo, do tocar
- as práticas domésticas, práticas laborais
- os saberes incorporados, os conhecimentos, o
  imaginário
- as muheres que dão a vida sensível, mas sem direção

shapeType75fBehindDocument1pWrapPolygonVertices8;12;(21180,21491);(0,21491);(0,10738);(1215,10738);(1215,2469);(4911,2469);(4911,545);(5822,545);(5822,0);(21500,0);(21500,12116);(21180,12116)posrelh0posrelv0p





Figura 3 - O cenário: o mito da caverna de Platão

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Ver e contemplar este ser das coisas, sua essência, é o único
meio de conhecê-las, de conhecer sua organização, seu arranjo e, então, organizar a vida na cavema, a vida individual e a vida
coletiva, em função da justiça, quer dizer, em função de sua ideal idéia: "Olhando e contemplando os objetos agenciados e
imutáveis, que não se maltratam uns aos outros, mas estão todos
sob a lei da ordem e da razão, nós os imitamos e nós nos tornamos
o máximo possível parecido com eles" (R VI, 500c).

Mas os dois mundos são separados, distantes e em desnível.
Existe, entretanto, um intermediário, ou seja, uma entidade
mediadora que resume os caracteres opostos e facilita a sua
junção. Esse intermediário é a alma que possui " ... uma faculdade
de aprender e um órgão ao seu dispor". Infelizmente, essa alma é também ligada ao mundo do porvir. Portanto, é então preciso uma ação específica para garantir suas condições de exercicio. Essa
ação específica é a razão de ser da educação: "A educação é a arte
de manobrar esse órgão e de encontrar assim o método mais fácil
e/ou eficaz" (R VI, 518d).

É por isso que a educação é " ... a grande e única prescrição
ou mais exatamente a prescrição suficiente" (R V, 423e). E


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somente ela pode levar para esse mundo imutável, relacionar com
os modelos originais e assim permitir o dominio do porvir. Isso
com a condição que os "educandos" retornem (re-desçam) à
caverna para revelar a cada sombra a sua verdade.

Esse quadro simbólico das condições de exercicio da arte educativa visualiza o longo circuito, mais do que o conceitualiza,
em função de um certo número de significantes que compõe uma imagem de referência muito precisamente organizada.

Essa visualização do longo circuito dentro de uma espécie
de imagem espinhal que lhe assegura a preponderância da visão é
aquela de um discernimento unitário, sintético que reúne as
divisões que o discurso opera para desenvolver os diferentes
elementos. Ela o introduz no imaginário social como a
organização de um certo número de esquemas e arquétipos que incorporam sentido e sujeitos dentro de uma situação comum.
Mais do que a natureza dos esquemas e dos arquétipos, é a
introdução desse longo circuito como organização que nos parece
de finir o lugar da educação permanente dentro do imaginário social.


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o LONGO CIRCUITO EDUCATIVO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICO

Esse longo circuito (Fig. 4) se situa entre dois grupos de arquétipos antagônicos: aquele da caverna e das trevas, por um
lado, e aquele do céu e do Sol, por outro lado. Insistimos sobre o  simbolismo temporal desses dois grupos de arquétipos: um representando o porvir alienador e o outro o ser envolvedor. A
arte educativa e o longo circuito são vistos como o meio que une dialeticamente esses dois antagonismos. Vale relembrar o titulo "Aprender a ser" do relatório da UNESCO, criador moderno da educação permanente, para ilustrar a permanência dos esquemas
e mostrar como os arquétipos podem constituir a "zona matricial
da idéia".

Além desse simbolismo temporal, esses dois grupos
levantam também diretamente o símbolo da mãe e do pai, da
feminidade e da masculinidade, da noite e do dia, do dentro e do
fora, do embaixo e do em cima, do negativo e do positivo, da
matéria e do espírito, da ação e da contemplação, da prática e da
teoria. O objetivo de articular esses opostos que persegue a arte educativa não deve omitir o meio, o circuito proposto. De fato,
esse circuito preconiza um itinerário que, isolando e privilegiando


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certos gestos, vai profundamente orientar e estruturar o
imaginário socioeducativo ocidental.

Aos gestos de redirecionamento, de saida, que provocam a
ruptura dos laços, corresponde o esquema de ascensão junto aos simbolismos de ruptura, de separação, de saída, de evasão, de
liberação. Esse esquema preconiza, então, como ponto de partida,
uma educação masculina, paterna mais do que feminina, materna;
uma educação pelas realidades do dia mais do que aquelas da
noite; em ilhotas culturais mais do que sobre o terreno; visando às alturas antes da arrumação da base; buscando os recursos do
positivo antes de trabalhar o negativo; a formação do espirito
antes daquela da matéria; da teoria antes da prática.

Ao novo exercício da vista corresponde o esquema
luminoso que estabelece uma correspondência hierárquica para
Platão entre o visível e o inteligível, o primeiro sendo a condição
do segundo, condição que antecede, preparatória do exercício da
razão, pois a visão de um órgão estabelece uma primeira
separação necessária das coisas sensíveis. Esse esquema
privilegia, em detrimento dos outros, o exercício de um sentido
como meio de educação, mas, sobretudo, ele privilegia um certo
tipo de conhecimento, claro, frio, distinto, separado, "longe de


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